segunda-feira, 13 de junho de 2011
HORIZONTES E PRECIPÍCIOS
Tomara que o Yanto Laitano não seja mais um gaúcho (bem, ele é de Curitiba) a se contentar com a clausura claustrofóbica, umbigista e supostamente autossuficiente de nossas plagas. Digo isso fundamentalmente por que não percebo muita coerência no fato de um compositor do porte de um Nei Lisboa, por exemplo, fazer a sua primeira turnê nacional apenas depois de completar 20 anos (ou mais?) de careira. E, quanto a isso, duvido muito que no Rio ou em São Paulo, ou em vários cantos desse nosso tão demasiadamente gigante país (mera alusão territorial...), alguém não saiba, por exemplo, quem é Adriana Calcanhotto.
E digo isso, também, por que é o público que merece. Bons artistas existem para serem apreciados pelo maior número possível de pessoas. Ser midiático não é, nem nunca foi, problema algum. Isso, aliás, é quase uma necessidade. Estar na trilha da novela daquela emissora que não se diz o nome é vergonhoso e ridículo para alguns? Pois bem... Quem viver, verá. É claro que por trás de tudo isso existe a relevância quase decisiva de um eficiente trabalho de produção – e, diga-se, de um produtor artístico/executivo que tenha faro, tino e ousadia – coisa que parece bastante complicada por aqui...
Quanto ao Yanto, talento, tempo e empenho para angariar êxitos não só nacionais parecem sobrar. Sabendo ser ‘pop’ (na boa acepção do termo) sem ser plástico; acessível sem ser medíocre; criativo sem vangloriar-se daquela tão comum arrogância pretensiosa e pedante de muitos de nossos conterrâneos, sim, ele sabe ser poético sendo profundo e simples ao mesmo tempo – como quando uma criança ri um riso espontâneo e sincero sem necessidade de razão ou explicação, e sem aquela ânsia de pragmaticamente precisar fazer o sentido que se espera.
Mestre em música pela UFRGS, já trabalhou com experimentalismos avant garde de qualidade, no grupo Ex Machina, e, há tempos, na época em que eu ainda ouvia rádio, emplacou um hit na programação de uma emissora local. Infelizmente, ainda que eu tenha guardado num canto da memória os versos iniciais de “Meu amor”, vim a ter acesso aos mui digníssimos frutos de sua produção apenas depois do lançamento do seu primeiro álbum, ‘Horizontes e precipícios’ (creio que de 2010), já disponível para download no site http://www.yantolaitano.com.br.
Contando com o apoio de instrumentistas talentosos, e agregando arranjos cuidadosos ao seu lirismo melódico, Yanto tem uma espécie de convicção comum aos que, sem o afã da pressa, sabem o momento exato de fazer e dizer o que devem ou querem. E o mais interessante, no caso dele, é que agradar gregos, troianos e gauleses irredutíveis não parece desafio algum. Gosto de constatar que inspiração e intuição associadas à precisão que a técnica minuciosa dá aos compenetrados está funcionando cada vez melhor: bem, ele já recebeu prêmios, ao que me consta vem cativando crescentemente um público diversificado, e parece ter todos os predicativos artísticos para auferir os merecidos e tão esperados louro$ sem precisar fazer concessões – fazendo, simplesmente, o que sabe fazer bem.
(Quanto a isso, aliás, e obviamente sem qualquer demérito em termos estético-musicais – ao contrário, e bem longe disso – a bela ‘Flor que nasce’ parece pronta ao bote de algum gênio hiperativo da publicidade...)
Profecias à parte, é claro que sempre há os tacanhos que não conseguem se contentar com as coisas do modo como se apresentam, precisando sempre buscar tais e tais influências, como numa espécie de justificação uróbora a respeito do trabalho dos outros. Comentários tipo ‘o Charlie Garcia dos pampas’, ‘o Fito Paez gaudério’ e mesmo ‘o Guilherme Arantes do rock gaúcho’ (esses eu já ouvi) podem até ser elogiosos... Só que essa sede débil que as pessoas têm de fazer comparações – mesmo sendo isso inevitável e, até, natural – irrita, porque faz com que o cara, seja ele quem for, fique sempre parecendo com uma outra coisa que não é ele – quando na verdade o que se quer, em tese, é justamente o oposto disso.
É óbvio que ninguém aqui é idiota para ignorar que as ‘influências’ existem, sim – e são até decisivas muitas vezes. Só que a cópia enquanto meta, smj, por ser simples e meramente medíocre, não tem o condão de dignificar o que se quer entender por objeto estético, criação artística ou seja lá qual for o nome. Ainda bem para todos nós que, no caso do Yanto, a influência parece ser tomada muito mais enquanto gratidão à referência do que como objeto à réplica pastiche. É fonte de inspiração que, entre horizontes e precipícios, propicia uma espécie de flerte que não se contrapõe nem compromete a autenticidade da produção. Ao estilo, evidentemente, subjaz o talento.
Bom, claro que, por ser fumante, os versos iniciais de ‘Como matar o planeta’ deixaram o meu narigão inquieto. Mas o Yanto tem razão.
E, sim: sangue tem gosto de ferro.
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Aos da província, Yanto faz show no Ocidente, dia 16.
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