O que dizer quando a polícia espanca e mata um menino de treze anos?
Tinha treze anos – e morreu.
Tinha treze anos – e morreu.
Morte matada daquelas sem explicação. Raiva, vontade de matar ou o quê? Não, nada disso. Soube-se depois: treinamento. Exato. Foi a polícia, aprendendo a matar lá no nordeste. E se aprender matando faz parte de um treino, isso não é nada que deva, por qualquer razão que seja, surpreender, afinal, aqui nos trópicos, é tudo tão comum e normal, que mesmo a exuberância da própria natureza de um país tão lindo (e miserável) se sente até constrangida. E é assim, é normal. Matam, se for o caso ficam um pouquinho assistindo televisão e bebendo uma cervejinha a título de prisão, e depois tudo continua, tudo volta ao normal como se absolutamente nada tivesse acontecido.
E o que aconteceu? Ah, um menino morreu, foi só. Tinha treze anos e queria ser médico, artista, bombeiro ou bandido? Tanto faz. Precisava viver para decidir. Ter o direito de estar vivo às vezes acho que é favor que prestam. Eles (e não só os porcos como esses que assassinaram esse garoto que nem sei o nome) decidem. Estamos condenados: há bandidos por todos os lados e, sim, como é bom ser cidadão algemado, refém de tudo isso... Porque não, nada pode ser feito? É isso? É exatamente isso de que nada se altera por aqui nunca? Ficar buscando culpados, apenas, não traz solução. Só que impunidade, tampouco, resolve qualquer coisa.
Mas prepotência é palavra que não dá conta de caracterizar o que ocorreu. Chamar aquilo de prepotência é pouco. Mas, mesmo assim, “prepotência” serve para expressar o que houve e tantas vezes há, sempre, em qualquer canto, que a gente nem sabe se tem mais medo ou raiva. E quem é bandido no meio disso tudo? Bom, se você já foi abordado por algum desses que chamam policiais, tem uma vaga idéia... É assim: você é o culpado, e deve confessar! Agora! Enquanto não for provado o contrário, a culpa é sua, e você tem que ficar quieto, caso contrário... não, não... isso era antigamente... Hoje em dia não é mais assim. As coisas mudaram: agora eles julgam, condenam e matam – enquanto o judiciário se faz de louco, tira férias ou rouba.
E, sim, a polícia também mata. Mata matando, como se faz com mosca. Mata um aqui, outro ali, mais um acolá. Coragem e sorte é o que se precisa pra ficar vivo, e, nessas horas, o que diz Deus?
Uma vez me botaram num camburão. É que eu tinha roubado um carro, sabe... E o fato era tão fato, que argumento nenhum tinha cabimento. Na realidade, besteira minha querer argumentar com acéfalos. E eles queriam porque queriam saber onde estava o tal carro que supostamente havia sido roubado por mim. Aliás, para eles, não havia suposição alguma: eu era o bandido, o criminoso que, instantes antes, tinha roubado o tal Kadett. O que eu estava fazendo quando eles chegaram com o “mão na cabeça, mão na cabeça!”? Corria pela rua, no auge dos meus dezoito aninhos, num belo começo de uma tarde limpa... Donde concluí que: não, não nunca mais posso correr na rua. A minha sorte foi que acharam o tal carro roubado. Aí eles descobriram tudo – e ficou tudo por isso mesmo. Só as vizinhas fofoqueiras é que ficaram felizes.
Só que lá no nordeste a polícia matou um menino. Bom, e que novidade há nisso. Certamente você, que não acredita que sapo vira príncipe, e que nem tampouco acha que o trenó do papai Noel é puxado por renas aladas, sabe muito bem que a polícia mata mesmo. Pois é, eles matam. E pra que serve uma polícia assim? Mesmo que tivessem matado um bandido! Não, não altera em nada. Aliás, ao que eu saiba, bandidos é que matam... Sabe aquele som antigo dos Titãs, lá da época do “Cabeça Dinossauro”? Pois é, tão eternamente atual que tenho vontade de vomitar. Também pudera: o mundo anda pra traz. O ser humano, se visse um alienígena, daria um tiro, ao invés de esconder a cara no fundo da terra. E, nessa panacéia toda, o povo brasileiro é também culpado sim! E muito. É o tal do futebol pra cá, o tal do carnaval pra lá e, não bastando tanta besteirada, agora, o Big Bosta Brasil – tantas coisas que geram uma mobilização aguda e oca. Ou vai me dizer que você tem mais orgulho do que eu de ser brasileiro?
Mas para que tudo o que se comenta aqui tenha alguma validade útil, pouco importa quando o que ocorreu, ocorreu. O que importa, sim, é punir os responsáveis diretos e indiretos por essa barbárie escrota. Quem viver, verá? Veremos...
Fatos são como pedras:
Tinha treze anos – e foi morto.